c Trambolhão: janeiro 2006

terça-feira, janeiro 24, 2006

Vou ter de dizer...

Adeus...Pois é, vou mudar de país. Saltar do 9º andar e dar um passo um bocadinho maior do que o costume, já não vou só ali à casa da vizinha, vou até à casa mas duma vizinha alemã. Vou pôr o chapéu do Indiana Jones, enrolar-me no chicote dele e preparar-me para o frio tórrido que inunda este outro país. Escutem, porque só o direi uma vez e isto é para todos, não excluo ninguém: VOU TER MUITAS SAUDADEs, aliás já as tenho, isto de ser português é mesmo assim, viver a vida com nostalgia e muitas saudades, do passado, do presente, até do futuro eu me arrisco a dizer que evocamos esse sentimento. Saudades dos pastéis de nata canelados, do rio turvo trespassado pela ponte vermelha, da luz quente das ruas de Lisboa, do meu querido Bairro Alto, do metro escuro da linha verde e do céu azul, azul, azul (tenho uma amiga alemã que diz mesmo que o nosso céu é muito azul e que na Alemanha não é assim, a ver vamos) e sobretudo da família, amigos, conhecidos, até do Sr. que me atende na bomba de gasolina... Por isso, terei de preencher estas lacunas com imagens doutro país e com a presença de estranhos que preciso que se tornem próximos. Mas reconheço, os originais portugueses não serão substituídos, foi com eles que aprendi as leis básicas da vida e assim será. Mas penso que vai ser bom, quero que seja, apesar de seis meses me parecer quase uma vida, porque quando eu penso em como era a minha vida há seis meses, não tinha muito a ver com o que se assemelha hoje diariamente. E quero ir. Soltar amarras tem destas coisas, podemos ficar a boiar à superficie sem destino, mas não, eu quero tentar chegar ao outro lado, ver como é a outra margem e regressar com forças, sem me faltar o fôlego. Quero ver em como se distinguem as cores do quadro do pintor ali do lado, das minhas que me preenchem desde há 24 anos. E vou continuar a escrever sempre no meu BLOG, para terem notícias do meu diário luso-alemão, com fotos e tudo! Meee aguardem:) Ah, e se alguém quizer dar um saltinho ali a Estugarda será sempre recebido de braços abertos e com muitos sorrisos pela comitiva portuguesa que se encontra lá hospedada!

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Hoje

Hoje vi um documentário sobre o furacão Kathrina. Sei que já passou, mas fiquei impressionada à mesma. Foi no programa da Oprah, enfim, eu gosto dela, perdoem-me os mais criticos,mas acho que ela está lá. E a bendita apareceu no meio do pedestal humano e mostrou o estádio onde as pessoas dormiam e foram violadas e perderam a razão. Eu não sei, às vezes penso mesmo que a natureza humana é definitivamente animal, está lá arrumada na caixinha com a label de animal racional. Não concordo, animal sim, mas enfiada em convenções, fatos como vos digo, escritórios e segurança. Quando se perde essa tal segurança, a racionalidade escoa-se pelo cano abaixo e aparece a violência, a agressão, o desrespeito e o desespero. Porque essas pessoas não tiveram culpa, foi a natureza, mas transformaram-se em animais, porque foram abandonadas do mundo civilizado que lhes negou a mão e não as puxou cá para cima. E aí descambou a tal segurança, eu nem consigo imaginar como foi, porque as filmagens mostraram o estádio enorme às escuras, agora deserto, mas com os escombros dos milhares que lá se perderam sem saber o que se passava com a mãe, o pai, ou os irmãos, os filhos, deve ter sido o horror. A própria Oprah chorava inconsolada, e repetia ao marechal que era uma mulher forte e que queria entrar. Os homens diziam, não vais conseguir entrar, é demasiado para ti. Qual quê, a Oprah é forte, porque as mulheres não se deixam derrubar nunca. E entrou e por pouco não ia vomitando com o cheiro e eu pensei, eu já teria desmaiado.
Hoje vi também uma cantora a dizer na televisão: " os problemas humanos, à parte dos fenómenos naturais e da morte, são todos criados pela própria raça humana" ...E esta hein?

sábado, janeiro 14, 2006

Projectos.

É o projecto da casa, é a promessa de vida no teu coração. Há corações onde sabemos instintivamente que há o direito a caber tudo, o sapo príncipe, os espinhos na mão, os cortes da faca da cozinha, um jipe abandonado no deserto, uma excursão à Amazónia profunda, um doutoramento e um curso superior, um chorar inconsolado, um jantar com direito a silêncios muito saborosos, com crianças e rugas atravessadas na mão e mais tarde em todo o rosto, tudo promessas de vida a dois nesse coração. Belo deve ser encontrar um coração de tão grande transbordante, que consiga sempre e sempre (sem pausas) encontrar espaço para invasões nocturnas e inconvenientes da metade que escolheu...e o ideal, sim, o ideal que existe é que nunca enrole os seus braços apenas sobre si mas que se expanda para o abraço do amor terreno e (in)finito.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Incidente

Sempre que corria a persiana, descia os olhos pela pestanas e desabafa um suspiro prolongado, mais prolongado do que a sua capacidade pulmonar o permitia. E dobrava-se, quebrado e postrado nas duas patas humanas, ofegante. O ar corria espesso para o encontro do vidro da janela. Perdera os sentidos, inclusivé o seu céu e a sua terra já não estavam sujeitas à teoria gravitacional nem orbital. Só o gato preto e gordo veio ter ao seu encontro, arranhou com cuidado e ternura suave o seu corpo inanimado, e fugiu porque pressentiu a hipótese de uma liberdade segura e de uma casa inteira ao seu dispor. O dono esse estava cada vez mais frio. Os seus lábios ficaram roxos e as mãos tremelicavam. A perna deu um esticão, como se possuído por uma corrente eléctrica magnificante, estirou-se. Mas o individuo deu meia volta e fez frente ao tunel brilhante que via ao fundo. Preferia sentir mais uma vez a doce e quente voz da vizinha do quarto esquerdo, que roçava a sua mão na sua perna, quando todos os dias se encontravam de manhã, nas escadas velhas do prédio nº 5 da rua 10, da cidade 23 do país 67 do planeta OMEGA.

Raiva

Tou frustrada, irritada, apetece-me bater em todo o mundo. não consigo terminar o meu trabalho, não consigo fazer os exames, não consigo ser seleccionada para a Alemanha, nada!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

infelizmente, e para que todos saibam, há realmente dias assim!!!!

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Melodias



A dor de dentes é aflitiva. Parece que temos uma broca na boca a serrar-nos o dente, a gengiva e até a língua. Mas uma dor de cabeça, mesmo na testa por cima dos olhos é sinal de stress, porque significa que temos a testa sempre franzida, como que chateados com qualquer coisa, embora não saibamos bem o quê.A dor de pernas dá entorpecimento, mas não quietude. Penso sempre que estou a crescer para me animar, mas não há provas disso. Mas a mais forte é mesmo a dor da alma. Tudo dói, o pé, a cabeça, os dentes, o estômago, as costas, não há qualquer obstáculo à sua propagação. Eu quando estou assim dorida, sinto-me como um animal ferido e sem forças. Nesses momentos o que gostava mesmo era de poder uivar como os lobos ao luar, expirar como os elefantes, rugir como os ursos que são abatidos, ter um som forte que deitasse tudo o que me vai cá por dentro, ou doce como os cânticos melancólicos das nobres baleias.
Durante a noite, sentava-me na borda do meu terraço e dava azo às minhas tristezas, propagava-lhes o sopro da vida. Logo outros insomníacos iriam ter ao meu alcance. Formávamos uma trupe, una e protectora dos vossos sonhos e juraríamos a solene profecia de guerrear os vossos pesadelos.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Cores

Vou pintar o meu quarto com riscas verdes. O meu cabelo vai ficar azul nas pontas. As unhas, essas, reflectem o castanho forte e escuro. O meu papagaio vai ser banhado a ouro e estrelas pirilimpinpin. O baú velho no sotao será forrado de vermelho velho, quase encarnado.
De manha, depois de espreguicar o sono, encho o meu jardim de túlipas amarelas e à tarde, ao passear na praia, salpico a pele de dourados quentes. Durante a noite envolvo-me no azul escuro do céu e navego por mares nunca antes conquistados.

Há dias em que podemos renascer, mudar as cores do mundo em que vivemos e sentir tudo diferente.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

Fonte

A fonte era luminosa. Não deixava muito a desejar, mas sim água por transbordar. Era o meu sítio preferido, ficava horas lá sentada a admirar o cenário. As gotas escorridas, o violeta reflectido na água, eram portadoras de uma frescura matinal muito saborosa. Não havia vivalma, nem indícios de pegadas de animais. O rasto deixado pelos caminhantes já ia longe, deixava só o cheiro do almoço indiano que empestava as suas vestes. Naqueles espaços, o meu corpo divagava e levitava. Tornava-se só observador. O que custa mais é começar a ficar parado. Mas uma vez assim, sentimos que podemos fotografar o momento, suspender o tempo e sair um instante do filme, apesar de a bobine continuar sempre a girar. O realizador é desconhecido e eu quero ir lá entrevistá-lo. Deram-me o papel para a mão, mas não tive tempo de o decorar, às vezes jogo mais pela espontaneidade, acho que resulta. Mas quero fazer algumas perguntas que tenho preparadas na manga do robe, afinal tenho muita curiosidade. Ele está lá atrás do pano, o pano de boca, mas só o vemos através da lente da sua câmara, pelo que dizem nunca ninguém lhe viu o rosto, só desfocado. Ele tinha criado só para mim, imaginem, uma fonte. Era bonito o lugar, tão especial e eu agradecia como os japoneses. Retrocedia a marcha, baixava-me, curvava a cabeça e envolta num robe de seda, repetia "arigato", "arigato", até deslizar para o meu lugar, afinal já sem mais perguntas, sem mais hesitações. Conseguiram convencer-me? No final ouviam-se palmas, constantes e assobios, sem parar. E eu poderia sair de cena, tranquila, com a sensação do dever feito, descansada, e reconfortar-me-ia nos braços ilimitados deste autor da nossa vida.