c Trambolhão: agosto 2006

quinta-feira, agosto 24, 2006

Pés

O mundoi da inóis é simplesmente azulói. Não há verdói nem amarelói. Azulói como o céulói.

Às vezes apetecia-me inventar a minha própria linguagem. Escrever sem regras, poder calcular pensamentos sem definições, imitar a natureza no seu estado mais puro.

Divagar e sair dos constrangimentos mentais que nos impedem de alcançar o verdadeiro. A eterna pergunta que me está subjacente e que não consegue sair mais porventura da tatuagem marcada nos nossos pés de macacos.

Ainda agora estava a ver um programa de tv, em que a apresentadora perguntou ao participante se quando era pequeno tinha o trauma dos pés grandes. Ele respondeu envergonhado, que sim. Embaraçado, logo se tentou justificar, dizendo que apesar de estar constantemente a chatear a mãe de que tinha os pés grandes e que os queria "cortar", para ele isto era considerado uma coisa natural, visto que quando estamos a crescer os nossos membros por vezes atingem proporções inestéticas e pouco harmoniosas em relação ao conjunto do todo.

O mais estranho é que o senhor actualmente regista um vulgar 42 em sapatos vela filmados em grande plano durante 5 m pelo operador de câmara sonolento. Ou seja, um pé normalíssimo. Perdoem-me, ora eu já ouvi muita coisa, complexo do nariz grande, rabo grande, barriga grande, agora trauma dos pezinhos grandes é que é realmente uma idiossincracia.

Particularmente, porque somos uma nacionalidade de pessoas pequeninas, que não pensam que podem ir mais longe do que os seus pés. Pois é, se estivermos sempre a olhar constantemente para o chão e para os nossos pezinhos, não conseguimos focar a nossa vista em mais nada. Ficamos cabisbaixos, o horizonte deixa de existir e passamos a vida a pedir desesperadamente aos nossos pais que nos deixem ter um par de pés normais.

O remédio para este senhor eu dizia-lhe logo, apanhe o próximo avião para a China e enfaixe os pezinhos em tiras de tecido. Certinho garantido, de que quando chegar a grande, poderá enfiar um par de sapatilhas de ballet resplandecentes e minúsculas a impedirem que o pé ganhe individualidade e chegue ao seu estado adulto. Neste país poderá ser esmagado pelo peso do todo e perder de vista a sua pessoinha, deixará de poder navegar no Google e libertar asas. Ainda bem que a sua mãe não se lembrou desta ideia...
Até amanhã.

terça-feira, agosto 15, 2006

Imprevistos

Encontrei um urso de peluche no chão. Estava preto e sujo, com pó agarrado aos olhos, como se tivesse acordado e fechado os olhos com muita força, mas apenas conseguisse agarrar a areia e poluição dos carros que o atropelaram violentamente, sem dó nem piedade.
Ele chamava-se Pooooooooo, não é real nem igual ao Winnie The Pooh, é cópia e é ficção, é azul! O dito cujo levava na mão as chaves do meu carro, e fugiu com elas antes que eu conseguisse alcançá-lo. Que chatice, pensei eu, agora vou ter de ir a pé até ao jantar na casa da tia Felisberta, não consigo telefonar porque perdi o meu telemóvel no eléctrico da Rua Augusta e vou perder a chance de conhecer o meu futuro, fortuito e improvisado namorado maravilha que toda a famelga me tenta impingir desde que tenho 17 anos. O Leandro, ele é lindo, tem sempre o hálito imaculado a chiclets de menta perfumadas com sabor a canela mastigada pelos camelos do Saahra. Não tenho a certeza se se escreve assim, este deserto que me fascina e de onde vem a imagem do meu príncipe encantado. Porque o Leandro é loiro e alto e nórdico, que chatice, foi mesmo ao contrário de todas as expectativas, não sei explicar, estes mistérios do universo dão cabo de mim...
Entretanto dispararam uma carabina. Do alto duma janela, igual aos filmes do Oliver Stone, saiu um projéctil disparado que fez uma cratera no seio da nossa estrada principal, da nossa querida e familiar vilazinha.Atordoada pelo barulho e pela intensidade magnética da explosão, dei dois passos atrás e caí lá para dentro. Que raio, nem me deram tempo de ajeitar o cabelo e por um bocadinho de blush, agora com que cara é que vou aparecer na caixinha preta... Cara de vítima de acidentes imprevisíveis, isso é que não. Vou dar uns pequenos beliscões às minhas bochechas e tornar-se-ão rosadinhas e formosas num instante. Apalpo os meus pés, estão intactos, as minhas mãos também, só o ouvido esquerdo é que sofreu um dano e enfiou-se para dentro da cabeça. Mas oiço perfeitamente bem, já o desentupo quando tiver mais bem dispostinha.
Acabei por adormecer, apesar da rocha ser tremendamente incómoda. Como a vizinhança tardou em socorrer, nada melhor do que uma soneca para acalmar os ânimos. Assim como assim, não ia conseguir chegar a tempo ao jantar maravilha.
Quando abri os olhos, já era de noite e a escuridão do buraco assustou-me um bocadinho. Afinal, ninguém gosta de mim, que cambada de falsos, sonsos, esqueceram-se de mim, e todos brindam à minha famigerada solidão e fraqueza.
Pss, Pss. Olho para cima, afinal, o ursinho maravilha vem salvar-me. Atirou-me uma corda com nós, e eu trepei a custo lá para cima. Abracei-o e dei-lhe o meu rebuçado caramelo de recompensa. Vimos uma estrela cadente e subimos ao céu agarrados à sua cauda brilhante.
Acordei de manhã. Afinal, tudo não passou de um sonho. Ao meu lado encontra-se um tipo meio loiro, e esbelto, que supostamente se chama Leandro. Que raio, eu sempre achei mais piada aos morenos, mas a cigana de Belém bem me avisou que não ia ter sorte. Olho-me ao espelho, upps, dou por falta de um elemento básico: Onde está a minha orelha esquerda?
Sinto que o azar me bateu à porta. O que constitui a sorte? Vou pesquisar na Internet, o Google deve saber.