c Trambolhão: Alice no País das Maravilhas ou Inês no centro de Emprego

quinta-feira, novembro 24, 2005

Alice no País das Maravilhas ou Inês no centro de Emprego


Foi um bocado traumatizante, não foi? O sujeito X olha para mim com cara de sufoco, eu encolho os ombros, porque ainda não absorvi as minhas conclusões. Ir ao centro de emprego poderá realmente ser considerado uma experiência traumatizante?

Acordo as 9:00 e só resta meia hora para o julgamento final. Venho a zarpar no carro para Pedralvas, sei lá onde isso fica. Chego, estaciono e retiro senha. Toca a marchar, entrem nas filas, sentem-se e bico calado. Quando vos chamarmos, sintam-se no Céu.
Reunião de desempregados anónimos, moderada pelo Sr. Humpty Dumpty, conhecido pela sua cara de ovo amarelada e pela Sra. Técnica de Emprego, Caixa de Óculos. 4 mulheres e três homens pensam em escapar pela janela, mas estão enfiados numa caixa escura no centro de Emprego de Pedralvas. Resta-nos dar as mãos e rezar. Primeira vítima. Por favor conte-nos a sua formação e experiência profissional até à data mais recente, incluindo o motivo porque ficou desempregado. Madalena (nome fictício, qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência) sobe ao palco. Nortenha de gema mas casada com um moiro segundo o qual "só porque tem costela nortenha, senão nem visto", mãe de dois filhos pequeninos e de dois enteados, ignora todo e qualquer tipo de timidez e insegurança lisboeta, arregaça mangas e dispara conteúdos verbalizantes, com um sorriso e simpatia que não deixam de ser contagiantes. De anotar que está presente em 3 ou 4 processos de selecção e que já exerceu cargos de direcção. As empresas "head hunter" estão à sua caça, mas Madalena é mais esperta e qual gata sabichona, sabe jogar o seu jogo e desafia as suas incompetentes funcionárias com tentativas de contacto antecipatórias, que frustam os trabalhos das estagiárias de recursos humanos. Aplausos no fim, esta é uma desempregada nota dez, que se esforça, mexe os cordelinhos e espera em Janeiro já estar empregada. Porque em Dezembro quer ir passar uma temporada ao Minho com os filhos, bolas, afinal de contas é o primeiro ano em que tem direito a isso, vamos lá experimentar ser mãe a tempo inteiro, até deve ser engraçado ver o Dragon Ball a meio da tarde e comer estrelitas com leite de chocolate.
O Sr. Rogério já não tem tanta sorte. A ele nunca lhe cai o Euromilhões no bolso, é ele que tem de ir à montanha. Mas este senhor já tem 55 anos e custa-lhe a subir picos que necessitam de garrafas de oxigénio bem mais cheias do que as suas. Situação oficial: Desempregado há oito anos e há três sem receber subsídio de desemprego. Como consegue viver é o mistério que vamos tentar descobrir até ao final do encontro. Não chora, está seco, não grita nem desespera, conta a sua história como se tivesse a relatar o jogo do Benfica de ontem, sendo ele do Porto. Já no final percebemos que teve direito a um ano a trabalhar numa livraria, mas despediu-se porque ia ser contratado para outra empresa bem melhor. Segundo ele, "no final esta acabou por roer a corda", e num estalar de dedos, perdeu tudo. Já diz o provérbio, mais vale agarrar um pássaro do que ter dois a voar....
O sr. Ovo escreve devagarinho na máquina, anotações sobre a cor de cabelo, peso, característica peculiar, fato e cor das meias. No caso do Sr. Rogério está a fazer contas. Vamos enviá-lo para o Iraque no meio das tropas ou apagar sem querer o seu registo do centro de Emprego? Uhm, amanhã penso nisso, agora prefiro jogar ao Sodoku enquanto eles se lamentam. Ah, mas falta a pergunta essencial, ou seja, o verdadeiro objectivo desta reunião. Se os seus intervenientes não querem montar um negócio próprio, investir dinheiro e criar uma empresa. Mas a mesa redonda não se pronuncia, ninguém é sobrinho em terceiro grau do tio Belmiro, não há experiência suficiente, nem vontade de arriscar o couro.
Eu tento ver-me livre desta lavagem cerebral, mas é fácil, porque felizmente não tenho tendências suicidas de criar um jornal, uma empresa de comunicação, ou seja lá o que for. Talvez um Lidl, tenho de pensar nisso. A Sra. Caixa de Óculos rói as unhas e abana a cabeça com ar condescendente. Também deve estar a recordar as almondegas de ontem e as horas que faltam até ao final do seu dia para ir ter com o seu amor.
Desço à terra. Fala o Miguel. É da área de Marketing, podia tentar carreira como sorriso Pepsodent, mas o que quer mesmo é fugir lá para fora. O problema é que o Sr. Ovo e a Sra. Caixa de Óculos não lhe sabem explicar como é que funciona o programa Euros, mas prometem que vão anotar na máquina os países onde ele gostava de ser Marketeer.
Rubina toma posse do micro. Ri-se, sim é verdade, há muitas Rubinas na Madeira, jardins de infância é que nem por isso. Quer tomar conta dos vossos filhos, desde que estes sejam tranquilos. O jardim em Carnaxide fechou, não havia dinheiro, já nem pagavam ordenados a ninguém.
A Fátima vem a seguir e espera alcançar emprego na Indústria Farmacêutica ou talvez na área de Engenharia Alimentar, qualquer coisa dá, mas primeiro estão os lucrativos remédios.
O Victor é o último, porque se chama Victor, e está em contabilidade. Para ele o problema resolve-se facilmente, se tiver mais de seis meses à espera, vai para a Marinha ou para a Tropa, porque como referiu "uma pessoa tem de comer". Tem ido a muitas entrevistas, mas nas suas palavras "a maioria são fictícias, é só para brincarem um bocadinho", ou seja, aconselhamo-o uma visitinha às instalações da contabilidade do Júlio de Matos. Ouvi dizer que andam à procura dum contabilista novinho.
No final, o Sr. Ovo cria expectativas e diz que vai haver uma sessão de técnicas de procura de emprego. Daqui a uns dias, vamos aprender a escrever um currículo e mandar cartinhas de amor, de amizade e de apresentação? Será que sim?

2 Comments:

At 11:56 da manhã, novembro 29, 2005, Blogger pedro said...

Tens de facto muito jeito para estes textos non-sense :-)

Mas é uma realidade bem triste essa... Nós andámos a estudar para quase nada... Para empregos que nada têm a ver com o que gostamos, para empregos que são a nossa área mas que são mal recompensados ou até para ficarmos em casa a ver as paredes brancas... Mas o pior são todas essas pessoas que durante uma vida lutaram e lutaram, e agora vêem-se desesperadas.

Felizmente podem continuar a sonhar com a Alice no País das Maravilhas e com a Inês aos trambolhões na blogosfera

 
At 2:02 da manhã, fevereiro 25, 2010, Anonymous Anónimo said...

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