c Trambolhão

segunda-feira, setembro 17, 2007

Há pessoas que só gostam de bonequinhos ou bonequinhas. Colocam-nos numa estante ou numa prateleira de vidro bem alta, tão alta que só se alcança subindo a conta gotas um banco de madeira trémulo e hesitante, devido à carunchada que o destrói sem pudor.

No topo, o bonequinho imobilizado, respira a custo longe do seu dono, que raramente o retira do "altar" e tão pouco o leva para brincar na rua. Este prefere ficar a contemplá-lo como se de uma imagem religiosa se tratasse, de tão bonito e formoso que é, cultivando-se assim um amor distante e lentamente fiel. E o orgulho saboroso de dizer, sim é meu, encontrei-o à venda numa feira de rua. Foi um achado! Por isso tenho de o estimar muito bem, pensa sorridente, e para isso é-lhe sempre limpo o pó uma vez por mês, mais devagarinho ou mais depressa, porque um bonequinho não pode ficar com mau aspecto. O que diriam as visitas e os amigos se encontrassem uma colecção deles acinzentados pelas manchas do pó.

Sim, desiludam-se as mentes mais optmistas. Mesmo que o dono desperte para a sua existência, cada bonequinho terá de esperar penosamente na fila a sua vez para brincar, porque na mesma prateleira existem mais de 50 figurinhas parecidas com ele. Todas elas muito bem conservadas. Com sorrisos forçados e uma expressão congelada, só os braços estendidos em direcção ao vidro, emitem um apelo silencioso. Porque até o som destas personagens ficou encravado entre a amígdala direita e a aorta do amor.

Parvoíce, os bonequinhos não têm direito a ter sentimentos, pensa o Presidente, após ler o primeiro relatório da AMB - Assistência Médica dos Bonequinhos, a denunciar a precária situação que se vive em cada lar. No entanto, o governo já instaurou a primeira medida de protecção desta classe: dorovante os seus fabricantes serão obrigados a colocar um letreiro em maiúsculas no exterior de cada caixa com a frase "Love me or leave me". Na loja. O que também poderia ser equivalente a "Dump me or Feed me". Com amor, sempre.

1 Comments:

At 8:55 da tarde, setembro 17, 2007, Blogger GONIO said...

Gostei de mais esta tua história, Inês.
E gostei particularmente desta frase: "Porque até o som destas personagens ficou encravado entre a amígdala direita e a aorta do amor."
Um bocadinho lamechas, mas gostei. Pronto! :)
Bjo

 

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