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Pss...Psss...
Abriu os olhos, sentia-se profundamente incomodado pelo cheiro a naftalina que inundava o pequeno compartimento. Sentiu a cinza em cima da sua camisa, puxou as maos à cara e sentiu-se fraco. Quantas horas teriam passado? Porque é que ninguém tinha dado pela sua falta? Sentia-se assombrado pela sua incompetência natural em desaparecer sem se fazer notado em qualquer sítio, até quando a Sofia se tinha desamparado no altar daquele dia assombroso e cinzento, onde até as túlipas amarelas mais formosas e sorridentes encomendadas especialmente da Holanda, pareciam ter murchado sem qualquer razao evidente.
Os próprios amigos nunca o percebiam muito bem. Quando combinava com eles no cinema, evitava a multidao e as filas e aparecia no meio da sala escura de sorriso rasgado, a cheirar a tabaco que tresandava a mentol e com um bilhete entre os dedos. Elementar, meus caros, elementar. Seria assim de facto o enigmático aparecimento/desaparecimento que o tornava especial em qualquer situacao.
De facto, a luz do dia era para ele um incómodo natural de nascenca, que tinha permanecido como um sinal que nasce agarrado ao nosso corpo e nós fazemos tudo por tudo para o esconder.
Psss.... Psss..
Acordou novamente... Ainda estava na mesma posicao, tinha os musculos ainda mais doridos e estava cheio de caimbras.... Levantou-se rapidamente e bateu com a cabeca no tecto minúsculo do compartimento.
Ouviu uma respiracao diferente da sua. Mas estava escuro e nao se conseguia ver quem era. Deu um murro para o ar, e um pontapé para o lado...
Nao te assustes, sussurrou a voz...
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Já há dias que ele fumava sempre o mesmo cigarro às escondidas. Tinha vergonha, sentia-se indisposto a mostar a face rosada e os olhos brilhados pelo fumo, aos restantes seres ambulantes da sala. Por isso mesmo, fechou-se na dispensa e dispensou-se de comentários alheios mais ferozes, que o pudessem atingir em cheio no seio mais profundo dos seus receios.
Ali se deixou ficar, aconchegado pela minúscula sensacao de pequenez, pelo entorpecimento das pernas, pelas pálpebras pesadas, pelos sons que se ouviam cada vez mais distantes e aninhou-se no calor humano do seu próprio corpo.
O outro
E quando ela girava em torno do eixo, o mundo todo girava junto com ela.
O olhar dele parou naquela silhueta,
E o ritmo que embalava a respiracao foi abruptamente cortado.
Nao havia momentos a sós naquela sala,
Só brilhantes e mirabulantes escassos sons,
A imagem era imperdoavelmente bonita,
E gravada assim ficou na película ocular das duas personagens.
Opostos
Eu nao sinto,
Sou do mais vândalo que existe,
Mas ajeito sempre o cabelo com maos de fada.
Deixo-me adormecer com a musica alta e estrondosa,
Mas consigo sempre sussurar um Bom-Dia doce e disfarcado.
Deixo-me embalar pela tua mao,
Mas já nao acredito em contos de fadas.
Gosto do arco-iris,
Mas evito a chuva ao ar livre.
E faco sempre questao de entornar o leite,
Apesar de ele estar correctamente embalado.
Le mooves
Há filmes que se tornam clássicos... A bobine gira
Quelque chose é o motivo,
Com Figuras figuradas,
Ou Sons do estrangeiro,
Quem sabe porque têm muitas Estrelas,
Que se tornam impossíveis de alcancar.
Tornam o humano observável,
Libertam asas à imaginacao,
Dos espectadores que voam no escuro denso,
Sonhando acordados com visoes irreais.
Deixem-se tocar pela magia,
Permitam Sentir-se algumas vezes perturbados
E soltem lágrimas,
de riso
de amor e
de sofrimento.
Para mim, os realizadores sao pessoas que preferem evitar o contacto real com o outro lado da camera e escondem-se no escuro do cinema. Eu prefiro a luz dos sorrisos, a sonoridade da marcha molhada passo a passo e o acordar de janelas bem abertas...