c Trambolhão: outubro 2007

terça-feira, outubro 23, 2007

Há qualquer coisa de verde no teu cabelo, disseste. Encantada pela maravilhosa descrição, convenceste-a a subir a árvore. De braços abertos, pose elegante de bailarina mestre, esta convidava ao olhar alheio curioso.

Tropeçaste num ramo inconformado com a sua posição de mero escadote, mas nunca olhaste para baixo. Tinhas algumas vertigens. (Algumas era uma maneira simpática de se dizer). A tua estratégia era olhar sempre para o ponto mais alto da etapa. Dos teus pés escorria uma substância gelatinosa e colante e possuías um fato vermelho com riscas pretas. Alguns amigos gostavam de te chamar de aranha, porque apesar das cambalhotas que proferias a voz alta no tapete rolante da escola, sempre tiveste um jeito natural inconfundível para caíres em suspensão.

Ela tinha uma saia preta rodada e hesitava em subir. Os seus olhos grandes, como semáforos a piscar, foram intimidados pela grandeza daquele verde. Numa cena à banda desenhada, ele puxou-a e não lhe deu mais tempo para indecisões casuais. Vou construir uma casa só para ti aqui. Uma casa verde com cheiro a flores, como o teu cabelo. É só ir buscar o meu serrote e começar a martelar.

Ela sorriu e deixou ver os dentes. Era simples estar com ele. E sorriu com som, começando a rir em menor até se tornar num riso insurdecedor. Como quando fechamos uma porta devagarinho e ela acaba por bater com um estrondo e matar o medo que espreita. O mocho atento à cena subiu à lua, e trouxe uma minhoca entre o bico, como sinal de boa sorte. Aprovava com prazer a vinda destes dois seres para o seu lar. Era um mocho protector, porque também os há vingativos.

Começaram os trabalhos. Um vizinho espiava dentro das janelas dos prédios. Serraste a madeira devagar, davagarinho, com um sexto sentido a aprimorar os fios de prumo, escalaste uma parede de madeiras e abraçaste a árvore. A moça, essa, cruzava relaxadamente as pernas ao teu lado, como que esquecida das alturas, entoava uma canção de embalar e desbotava fios de folhas verdes. Um ritmo natural de serrilha era a percussão que acompanhava a sua canção. De vez em quando interropiam os trabalhos para dar as mãos.

Completa a obra, cobriram o chão com musgo e o leito com teias. Situaram uma janela no enquadramento das estrelas. Colocaram um despertador ao lado do leito e fecharam os olhos cansados, mas com os pés quentes. A árvore adormeceu os seus ramos.

sexta-feira, outubro 19, 2007

Atravesso um deserto grande.
Com a textura de um pêssego.
A gota de água suspensa na garrafa transparente,
A minha língua encolhida no céu da boca.
Cada passo que dou é menos um a contar do fim,
Mas eu não sei onde pára o fim do meu deserto.
Cedo pousarei a cabeça junto à pedra,
Em busca de um qualquer sinal de reconforto à sombra.
Consigo finalmente repousar os meus pés suados.
No deserto o tempo escorre a conta gotas,
Como o passo lânguido do meu camelo.
A pressa esconde-se nas rochas,
Temos o dia inteiro para alcançar o fim.

terça-feira, outubro 02, 2007

Quem me dera escalar ao topo do mundo
Amparada por fios de seda