c Trambolhão: outubro 2011

quarta-feira, outubro 19, 2011

O Adeus
Quando partiste levavas contigo uma mala pequena e vermelha.
Um pequeno fruto do bosque transportado pelas tuas delicadas mãos.
Lá dentro a colmeia de formigas negras ruminava os teus pensamentos,
Ansiosas, eléctricas, percorriam as letras das cartas dobradas em quatro,
Onde dobradas estavam as dores, as dores lânguidas da saudade.
Detentora dos mais pequenos segredos,
E do maior amor,
A mala era ainda mais pesada do que o teu próprio corpo.
Carregava-la com esforço, corcunda, quase que a mergulhar no teu reflexo no chão,
E sorrias quando algum outro homem se oferecia para te ajudar.
Dizias com graça, que era um esforço de vida,
Trazer aquelas cartas,
Repletas da tentativa, do erro, do fracasso; da tentativa, do erro, do fracasso,
Mas onde o amor d’Ele sobrava e sobrevivia às marés e às monções.
Era insistente, persistente, contínuo, abafado,
Repetia baixinho o teu nome quando dormias,
E como que bêbeda, trôpega nos teus passos,
Acompanhada pelo olhar do gato preto na janela,
Eras atraída à leitura nocturna,
Mas uma vez lidas, não as poderias guardar,
Pois as cartas d’Ele incendiavam-se ao serem lidas.

terça-feira, outubro 18, 2011

A estação de comboio evitava as filas.

A estação de comboio evitava as filas.


Ali, a multidão formava um novelo humano, cuja ponta de início não se encontrava facilmente. Chegavam carruagens vazias, outras cheias, outras ainda a meio gás. Era fácil hesitar em subir para uma delas, não havia nada que as distinguisse, um pequeno pormenor como um lenço a abanar, ou um sorriso tímido a fazer de convite pessoal.


As carruagens seguiam umas atrás das outras, unidas pela urgência de chegar ao destino e pelas mãos de um maquinista, que compunha a orquestra da cena. O maquinista, esse, hoje estava atrasado, tinha ele próprio quase perdido o comboio porque não se levantara a horas e só chegou à estação quando ouviu o apito final a desenhar o seu destino. Seria despedido se não comparecesse ao trabalho e isso era quase impensável, não permitia que o seu destino se resolvesse por uma falta de atenção tão bárbara e mesquinha, afinal, ele não conseguia controlar os horários da sua vida, era um ser pequeno, mais pequeno do que imaginava.


Ninguém na estação se apercebeu do seu pequeno drama. Do esforço que fez, dos pequenos passos que deu em direcção à máquina, pequenos mas pesados, pouco saltitantes, esforçados, transpirados. Da falta de pulsação que sentiu, do nó na garganta que deglutiu, do boné enfiado ao contrário, do bom dia murmurado aos passageiros sem se ouvir no fundo da carruagem.


Pois lá no fundo atiravam-se as malas de cartão, velhas, esquecidas, que agora já não incomodavam ninguém, pelo menos durante algumas horas. Os passageiros acomodavam-se e fechavam os olhos. Ou então olhavam pela janela e cantavam pela última vez a canção da despedida que traziam amarrotada no bolso das calças, nas luvas de pele das senhoras magras e elegantes, nos cabelos apanhados das senhoras fartas e roliças, nos brinquedos das crianças.